sexta-feira, maio 15, 2009

Despertar da Mente...

Há filmes que se tornam em grandes obras, devido a excelentes trabalhos de efeitos especiais, ou porque retratam determinadas épocas históricas, ou por grandes cenários entre outros elementos. E depois existem os filmes que atingem patamares de excelência por nos fazerem pensar, por nos conseguirem colocar na pele dos personagens e porque ao assistirmos a estes filmes, conseguimos ver-nos a nós próprios em algumas das cenas, e em partes do argumento que acabamos por recriar na nossa mente. Por norma fazem-nos sorrir. Foi assim com este ‘Despertar da Mente’: fez-me olhar para dentro, pensar, recriar, reviver, relembrar…e sorrir.

O argumento, é da autoria de Charlie Kaufman (o mesmo de ‘Being John Malkovich’, e ‘Inadaptado’), e uma vez mais é um trabalho fantástico. À semelhança de ‘Being John Malkovich’, em "Eternal Sunshine of the Spotless Mind", as personagens são compostas de uma forma fantástica, tornando a sua acção e presença ao longo do filme uma constante de força e interesse a toda a prova. Abordando o tema das nossas memórias e recordações afectivas, todo o enredo está assente na construção e reconstrução das mesmas, num caminho que leva à sua total clarificação e certeza sobre elas. A sua intensidade é de tal ordem, que ao mesmo tempo que se vai assistindo ao filme, torna-se impossível não vivermos também nós, a nossa construção, reconstrução e vivência no momento das nossas próprias memória e recordações. O tema do amor não sendo (naturalmente) novo, é tratado de uma forma tão sincera e genuína, que é completamente impossível não nos apaixonarmos nós, pelo filme.

Todo o filme é um autêntico prodígio. Se o argumento deve ser altamente enaltecido, da mesma o deve ser o trabalho da realização a cargo de Michel Gondry, que fazendo uso da sua experiência no campo dos vídeo-clips, constrói todo o puzzle em imagens às vezes aparentemente fragmentadas, mas repletas de sentido, dando uma sequência lógica e ao mesmo tempo intensa a toda a história. A mesma é construída e reconstruída a uma velocidade incrível, não permitindo ao espectador que desprenda a atenção do ecrã por um segundo: como já referido, tal se torna muito difícil (senão impossível), dada a proximidade que se cria entre o espectador, a história e os personagens. A sua coesão é tão forte, que os fragmentos das memórias de Joel se encaixam na perfeição, construindo um Puzzle sem qualquer falha.

A história gira em torno de uma relação entre Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), duas pessoas muito diferentes e que se conhecem de uma forma especial, assim como se vem a tornar toda a relação entre ambos. Após uma discussão e consequente zanga, Joel fica chocado ao perceber que a sua namorada recorreu a uma clínica para realizar uma operação para apagar todas as suas memórias de Joel. Em desespero, ele decide fazer o mesmo, e contacta a dita empresa para realizar semelhante intervenção. É precisamente durante este tortuoso processo, que Joel vai ao interior da sua mente, e relembra todas as memórias relativas a Clementine, e se aperceber que não as quer apagar. Entra então num incrível processo e luta contra a sua própria memória, redescobrindo a razão por que em primeiro lugar se apaixonou por Clementine, tentando no seu interior salvá-la. Ela acaba por se aperceber do seu erro, e coloca-se ao lado de Joel, tornando-se ela própria numa lutadora pela mesma causa...a sua, que é também a dele. Ao ajudá-lo a manter as suas recordações e memórias, Clementine mantém-se também a ela própria viva, e certa que a luta é feita a dois, pelos dois, pelas memórias de cada um pelo outro e pela vontade de cada um em as manter vivas e á flor da pele.

A realização é um primor, acompanhado por uma fantástico trabalho de imagem e montagem, utilizando efeitos especiais bastante simples, que deixam de o ser porque são muito bem criados. O apagamento da memória, a busca e luta pelas mesmas, deixam de ser um mero utensílio, para passarem a ser parte integrante do filme e da história. O constante desfocar da imagem, e encaixe das mesmas permite criar o ambiente aparentemente confuso e perdido das inúmeras recordações na cabeça de Joel. Aparente, porque na sua luta ele tem tanta certeza da mesma, que vai até ao íntimo da sua memória, procurando em todos os recantos uma forma de lutar contra o apagamento pela intervenção a que está a ser sujeito. É tudo feito de forma tão precisa, que a realidade se mistura com o subconsciente do personagem, levando o espectador numa viagem também ao seu próprio interior, criando uma relação quase única.

Para quem de alguma maneira, possa duvidar das capacidades de Jim Carrey como actor, tem aqui o melhor exemplo da sua versatilidade. Se é verdade que tem a capacidade de fazer rir qualquer um com as caretas e palhaçadas que nos habituou em ‘A Máscara’, ‘Ace Ventura’, ou ‘Cable Guy’, em ‘Despertar da Mente’, Carrey dissipa todas as dúvidas e coloca-se como um dos mais versáteis actores da actualidade e ao mesmo como um dos mais brilhantes. No mesmo papel, ele transparece seriedade e tristeza, e ao mesmo tempo, alegria, paixão, simplicidade e sinceridade. Ao seu lado, encontramos uma Kate Winslet, longíssimo dos papéis de menina da alta sociedade (Titanic), ou de esposa e mãe (Pecados Íntimos), e recria uma mulher, apaixonada, excêntrica e até um pouco tresloucada, mas ao mesmo tempo profunda e sincera e verdadeiramente apaixonante…única e deslumbrante.

“O Despertar da Mente” é um filme sobre o amor, sobre a alegria e dor que o mesmo provoca, e sobre as loucuras que fazemos para que um permaneça e a outra termine. Mesmo tentando apagar uma e outro da memória de cada um, tal não foi possível, porque o Amor vai para além disso. Não sendo perturbador, não deixa ninguém indiferente…faz-nos olhar para dentro de nós, e perceber que na verdade há coisas que nem o tempo, nem qualquer tipo de intervenção conseguem apagar. O que é especial, é-o porque simplesmente o é. E por muita luta que se faça, nada nem ninguém consegue apagar as memórias que nele se construíram, e se viveram. ‘Despertar da Mente’ mostra o amor como uma força incontrolável, e o verdadeiro ultrapassa tudo, quebra todas as barreiras, e vence todos os medos e receios, tornando-se inevitável e quase incontrolável.

Estimulante, Imprevisível, Sedutor, Optimista, Profundo, Sentido, Humano, Frágil, Emotivo e Apaixonante, são alguns dos adjectivos que poderei colocar a este filme. Para mim, fica a certeza que o que é especial nunca deixa de o ser, e o que tem muita força ultrapassa tudo. Quando se acredita em algo ou alguém, faz-se tudo e de tudo, o que estiver ao alcance a por vezes fora dele e luta-se com todas as forças por isso e para manter a vida que existe nesse crer.

Nota: 9,5/10. Brilhante.