quarta-feira, agosto 29, 2007

Laranja Mecânica

Depois de ver um filme desta qualidade e com um impacto desta magnitude, torna-se muito difícil e complicado catalogar e comentar o que quer que seja ligado à sétima arte. Há por vezes momentos, em que o inultrapassável….acaba por não o ser, e se vai um pouco mais além. É o caso deste magnifico trabalho de Stanley Kubrik, que mais de 30 anos após a sua criação se mantém como uma das obras-primas da sua carreira e de toda a história do cinema.

Que o realizador Kubrik fazia grandes filmes, já eu sabia; que ‘A Laranja Mecânica’ era fantástico, também eu estava careca de saber...mas vê-lo assim, foi de um impacto tal que dificilmente me irei esquecer de qualquer cena do filme, nem tão pouco da banda sonora que o acompanha e que lhe dá uma quota parte da força que ele tem.

‘A Laranja Mecânica’ (1971) é uma adaptação ao cinema de um livro de Anthony Burgess escrito quase uma década antes, e mostra-nos, um jovem inglês líder de um pequeno Gang de jovens delinquentes que se divertia a procurar o prazer através da violência. A crueldade deste grupo espelha-se de várias formas e em vários actos que vão desde lutar com gangues rivais, a roubos de carros para provocar acidentes nas estradas, invadir casas, violar mulheres e outros negros exemplos do que o pérfido comportamento humano é capaz. Tudo nos é mostrado através dos olhos distorcidos e da mente altamente perturbada de Alex, que tem como prazer o caos e a música de Beethoven. Ele é inconsequente e extremamente cruel dado que os seus actos não o levam a lado nenhum a não ser o momento em que os pratica e de uma forma ou de outra vai mostrando a insanidade que paira no seu interior, e a dor que também provoca a ele próprio, demonstrada pelas constantes e violentas dores de cabeça que o afectam.

Do momento em que Alex acaba por ser preso, à sua saída da prisão é das fases mais impressionantes de todo o filme. O terrível e cruel Alex, é submetido a um tratamento em que a violência e a crueldade da raça humana são o próprio método, remédio e cura. Parece um contra senso, mas ao ser exposto a actos da mesma índole do que os que o levaram à prisão, a mente de Alex cria uma autodefesa contra esses mesmos actos…uma autodefesa que no entanto o vai destruindo cada vez mais um pouco…

A realização de Kubrik é simplesmente fabulosa e toda a construção da personagem de Alex é algo de verdadeiramente sublime. A mente distorcida, cruel, violenta e desprovida de qualquer noção de vida em sociedade é o elemento-chave em torno do qual gira toda a acção do filme. Uma coisa que me impressionou em ‘A Laranja Mecânica’ foi a capacidade que Kubrik teve em 1971, de criar todo um mundo novo, com cenários muito adiantados para a época: desde os pormenores dos interiores das casas, à decoração das salas e quartos e do bar que o grupo frequentava, à própria linguagem criada por Burgess e passada para a tela, tudo é altamente eficaz e brilhantemente concebido. Assim como noutros filmes seus, em que são postas a nu várias contradições e são colocados em oposição vários conceitos, o mesmo acontece aqui: de um lado temos a violência dura e crua, e de outro a música de Ludwig Van Beethoven, que anda sempre a par de Alex.

Este foi certamente o filme da vida para Malcom McDowell. Ainda muito novo, coube-lhe a difícil tarefa de encarnar no grande ecrã um personagem extremamente complexo e complicado de criar. Mas normalmente são esses mesmo papéis que ficam para a história e neste caso, Alex é um dos personagens mais memoráveis da sua carreira e de todos os filmes do realizador Stanley Kubrik. É impressionante o realismo que transparece no olhar e nos movimentos de Malcom McDowell enquanto actor e de Alex enquanto personagem: ficará para sempre marcado por este filme e pela sua fantástica e brilhante performance.

Para mim que já conhecia o que era ‘A Laranja Mecânica’, vê-la em filme foi algo que certamente não irei apagar (até porque mesmo que quisesse não conseguiria). Depois de ver este filme, a forma de olhar para o cinema será certamente diferente e essa também é uma das suas virtudes: não consegue deixar ninguém minimamente indiferente…o filme afecta a mente e o pensamento do espectador….mas afinal de contas essa é certamente (senão a maior,) uma das suas maiores virtudes. BRILHANTE!!!

NOTA: 9,5/10