Antes de mais devo começar por dizer que sou um adepto dos filmes e do trabalho de David Lynch: ‘Mulholand Drive’ e ‘Lost Highway’, estão presentes na minha biblioteca de Dvd’s e fazem parte da minha lista de favoritos da 7ª arte. Foi com alguma sede de ver o seu novo filme que decidi embarcar em mais uma viagem pelo mundo louco de David Lynch…num comentário num outro ‘sitio’ dizia que era de ‘apertar o cinto’: pois bem…apertei muito bem o cinto e lá fui eu.
Inicialmente e como é habitual, nos primeiros 30/40 minutos do filme, ainda pensei que poderia estar perante um trabalho mais óbvio (se é que isso é possível nele) de David Lynch, em que fosse possível construir (ou pelo menos tentar) uma história. Mas foi como as equipas de futebol que correm durante meia hora e depois vão-se as forças e as pernas e é cada um para seu lado: foi mais ou menos assim. A partir desta altura, muito pouca coisa continua a fazer sentido.
Que David Lynch parece não conseguir (deve saber mas não quer) fazer um filme dito ‘normal’ com princípio meio e fim, já todos sabemos. Mas ‘Inland Empire’ extrapola tudo o que eu pensava ser possível fazer no grande ecrã. É certo que é possível pegar em partes soltas do filme, cortá-las, recortá-las, tirar um pouco daqui, um pedaço dali e mais um excerto doutra parte qualquer….mas isso fará tanto sentido quanto fazer outra coisa qualquer, ou até não fazer nada. Lynch não se preocupa em perguntar o que quer que seja ao espectador….apenas dá um bilhete para uma viagem ao seu sub-mundo verdadeiramente louco.
Cada pessoa tem os seus sonhos e quando acorda pode até pensar neles, mas dificilmente encontra um fio condutor lógico. Lynch coloca-nos em sonhos variados partindo todos da mesma cabeça, projectando imagens e fragmentos, ideias e pensamentos disparados em várias direcções, aparentemente sem qualquer sentido. É isso que torna interessante e estimulante o seu trabalho: pôr o cérebro a funcionar a um ritmo impensável, mesmo quando sabemos que vamos entrar numa sala para assistir a um filme dele.
'Inland Empire', é um vaivém impressionante, um constante vai e volta a uma velocidade incontrolável…a mesma cara em personagens diferentes numa mesma dimensão, ou a mesma cara em dimensões diferentes, paralelas, distantes ou até quiçá inexistentes.
São cerca de 3 horas de projecções, personalidades duplas, algum ocultismo e sobrenaturalismo, saltos no tempo (para a frente e para trás); são quase 3 horas de virar do avesso, e ver ao contrário, virar de pernas para o ar e ver (ou imaginar) de trás para a frente. Mantém-se (como era expectável) uma forma diferente de filmar (na verdadeira acepção da palavra), com um ar mais cru que emprega ao filme um ‘aspecto’ ainda mais insano.
Laura Dern (
‘Blue Velvet’,
'Wild At Heart’ ou
‘Jurassic Park’) –
Nikki Grace, ou
Sue no filme, é alvo central de tudo o que se passa na tela. Seja no papel de actriz, de personagem, de mulher traída ou traidora, revoltada ou resignada, ela está um pouco por todo o lado, pintada de várias formas e vista de vários prismas: a sua performance é a todos os títulos excepcional e verdadeiramente marcante.
'Inland Empire' é
David Lynch levado para lá da sua própria loucura: personagens estranhos, diálogos surreais, frases (aparentemente) sem sentido, planos que aparecem vindos do nada e que desaparecem com a mesma facilidade, como autênticos
‘pop-ups’. E o que dizer da aparição de
Laura Harring e
Natasja Kinski durante 2 ou 3 segundos na cena final do filme? E terminar o filme com
Ben Harper de chapéu, cigarro na boca sentado ao piano ao som de
‘Sinnerman’ de
Nina Simone? Haverá resposta para isto?
É simples…é
David Lynch.
Nota: 9/10